Desenvolvido originalmente
para combater o ebola, o medicamento antiviral remdesivir apresentou bons
resultados em testes contra o Sars-Cov-2, vírus que causa a Covid-19. Dois
estudos independentes relataram que a substância é eficaz para quebrar o ciclo
de replicação do micro-organismo. Um deles, baseado em testes com um pequeno
número de pessoas, mostrou índice alto de recuperação de pacientes que estavam
internados em estado grave.
No fim de fevereiro,
pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, haviam descoberto que o
remdesivir era eficaz contra o vírus da síndrome Respiratória do Oriente Médio
(Mers), um coronavírus relacionado ao Sars-Cov-2. A substância é um dos vários
medicamentos que estão tendo os ensaios clínicos acelerados pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) em pacientes com Covid-19 hospitalizados em diversos
países.
Um dos hospitais que
testam o medicamento é o Cedars-Sinai, nos Estados Unidos. Em um artigo
publicado na revista The New England Journal of Medicine, pesquisadores dessa e
de outras instituições nos EUA, na Europa, no Canadá e no Japão relatam que, em
um pequeno grupo de pacientes internados em estado grave e tratados com a
substância, 68% tiveram melhora clínica e 47% receberam alta hospitalar.
Jonathan Grein, diretor
de Epidemiologia Hospitalar do Cedars-Sinai e um dos autores do estudo, explica
que a terapia experimental foi fornecida aos pacientes por uso compassivo. Esse
programa permite, nos Estados Unidos, acesso a tratamentos ainda não aprovados
pela Food and Drug Administration (FDA) quando um paciente tem uma condição com
risco de morte e nenhuma outra opção está disponível.
A análise incluiu dados
de 53 pacientes, que receberam pelo menos uma dose de remdesivir até 7 de
março. Os resultados mostraram que 68% das pessoas tratadas com a substância
apresentaram melhora no nível de suporte de oxigênio ao longo dos 18 dias de
acompanhamento. Além disso, das 34 que foram intubadas e necessitaram de
ventiladores mecânicos, 57% tiveram os tubos respiratórios retirados. Quase
metade (47%) recebeu alta hospitalar.
“Atualmente não há
tratamento comprovado para a Covid-19. Não podemos tirar conclusões definitivas
desses dados, mas as observações sobre esse grupo de pacientes são
esperançosas”, afirma Grein. “Estamos ansiosos pelos resultados de ensaios
clínicos controlados para validar potencialmente essas descobertas.”
O pesquisador ressalta
que programas de uso compassivo são menos rigorosos do que um estudo controlado
randomizado — no qual se compara pacientes que estão recebendo o tratamento
experimental àqueles que foram submetidos à terapia padrão. Porém, durante a
pandemia de Covid-19, os dados de uso compassivo podem ajudar os cientistas a
entender os riscos potenciais, além de dar uma ideia sobre a viabilidade de um
tratamento experimental, destaca Grein. “É fundamental que a comunidade médica
encontre um tratamento seguro e eficaz para a Covid-19 e que seja suportado por
dados sólidos”, afirma o pesquisador.
“Ação direta”
Em outro estudo,
publicado ontem na revista Journal of Biological Chemistry, pesquisadores da
Universidade da Alberta relatam que o remdesivir é “altamente eficaz para
interromper o mecanismo de replicação do coronavírus que causa a Covid-19”.
Matthias Götte, chefe de microbiologia médica e imunologia da instituição,
conta que dados de pesquisas anteriores deram esperança à equipe de que o
mecanismo de ação da substância teria um bom efeito contra o novo coronavírus.
“Estávamos otimistas de
que veríamos os mesmos resultados do vírus da Mers contra o Sars-Cov-2”, diz
Matthias Götte. “Obtivemos resultados quase idênticos aos relatados
anteriormente com a Mers. Portanto, vemos que o remdesivir é um inibidor muito
potente das polimerases de coronavírus”, diz. Polimerases são enzimas usadas
pelos vírus para se replicarem dentro das células dos hospedeiros. “Se você
atingi-las, o vírus não pode se espalhar, por isso é um alvo muito lógico para
o tratamento da Covid-19.”
No laboratório, os
cientistas demonstram como o remdesivir confunde o vírus, imitando seus blocos
de construção. “Conseguimos enganá-lo incorporando um inibidor de polimerase no
coronavírus, de forma que ele não consegue se replicar”, explica o cientista.
Götte afirma que as
descobertas do estudo, com resultados de pesquisas publicadas anteriormente em
modelos celular e animal, significam que o remdesivir pode ser classificado
como um “antiviral de ação direta” contra o Sars-Cov-2. Esse termo foi usado
pela primeira vez para descrever novas classes de antivirais que interferem em
etapas específicas do ciclo de vida do vírus da hepatite C (HCV).
De acordo com Götte, a
descoberta dessa ação direta reforça a promessa de ensaios clínicos para o
remdesivir em pacientes com Covid-19. Porém, ele alerta que os resultados
obtidos em laboratório não podem ser usados para prever como o medicamento
funcionará com as pessoas. “Temos que ser pacientes e aguardar os resultados
dos ensaios clínicos randomizados”, destaca.
Diário de Pernambuco
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