A parceria do Instituto
Butantã com o laboratório chinês Sinovac, anunciada na quinta-feira pelo
governo de São Paulo, para testar e produzir uma vacina contra o coronavírus
assim que ela existir, representa mais uma etapa da corrida pela vacina no
mundo. Entre as 136 candidatas em estudo atualmente, dez estão em fase clínica,
com testes em humanos, e apenas uma já se encontra na fase 3, o momento de
testagem maciça. Mesmo com o ritmo acelerado das pesquisas, especialistas
preveem que campanhas de vacinação, depois que o imunizante for encontrado,
devem ficar para o ano que vem.
Atualmente, três
pesquisas – Reino Unido, China e Estados Unidos – lideram a corrida. Cientistas
explicam que dizer que uma vacina é a mais promissora ou é a mais adiantada
significa que ela se mostrou eficaz em mais etapas dos testes pré-clínicos
(animais) e clínicos (humanos). Mas não significa necessariamente que ela seja
a mais próxima de ser bem-sucedida. “Quanto mais vacinas investigadas em
estágios avançados, melhor. Ela vai ser necessária no mundo todo. Existe muita
pressa, mas tudo tem de ser feito de acordo com os protocolos de pesquisa”,
opina a infectologista Rosana Richtmann do Instituto de Infectologia Emilio
Ribas.
A vacina da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, está na fase mais avançada das
testagens. Ela vai aferir a eficácia em pelo menos 10 mil pessoas a partir do
final do mês de junho. É o momento decisivo para testar sua eficácia. A vacina
é feita a partir de um vírus (adenovírus) atenuado da gripe comum que infecta
macacos. Esse vírus serve de vetor para levar ao organismo humano uma cópia
produzida em laboratório de uma proteína presente no novo coronavírus. A ideia
é que o organismo comece a produzir anticorpos capazes de reconhecer e atacar o
vírus verdadeiro em caso de uma infecção real.
A vacina do laboratório
Sinovac, parceira do Instituto Butantã, vai entrar na fase três de testes no
mês de julho. Rosana Richtmann esclarece que ela utiliza uma tecnologia
clássica, já conhecida. A vacina é formada pelo vírus Sars-CoV-2 isolado,
multiplicado e inativado no laboratório chinês.
O microbiólogo e
virologista Rômulo Neris, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
explica que a ideia das vacina é apresentar para o organismo pedaços ou agente
infeccioso inteiro antes da infecção para que o nosso sistema imune desenvolva
uma memória imunológica e consiga gerar uma resposta mais rápida quando a gente
for de fato infectado. A urgência para o combate à covid-19, no entanto,
estimula o desenvolvimento de novas tecnologias, como é o caso da empresa de
biotecnologia Moderna.
Em parceria com o
Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, a
companhia anunciou testes preliminares positivos em ensaios clínicos que
começaram em março. Faltam, no entanto, os testes em larga escala, que devem
ser realizados em também em julho. A estratégia envolve um segmento de material
genético do vírus chamado RNA mensageiro ou mRNA. O RNA (ácido ribonucleico ou
uma espécie de “parente” do DNA) também aparece em células humanas saudáveis,
mas, em muitos vírus, como o HIV ou o novo coronavírus. As pesquisas tentam
modificar o RNA mensageiro e fazê-lo “comandar” a célula para produzir outras
substâncias, mais benéficas para a resposta do corpo ao vírus.
Considerando-se o êxito
de todas as próximas etapas de testes, especialistas apontam que a vacina da
Oxford, a mais adiantada, deve iniciar a produção em larga escala até o final
do ano. Isso abriria a possibilidade de disponibilização de uma vacina a partir
de abril do ano que vem.
“Trata-se de um cenário
otimista”, diz a infectologista Cristiana Toscano. “Além das etapas de
desenvolvimento, existem fases importantes de ampliação da capacidade
produtiva, como o processo regulatório de registro e licenciamento, política e
estratégia de vacinação e distribuição de vacina nos países. Estamos falando de
bilhões de doses”, completa a representante da Sociedade Brasileira de
Imunizações (SBIm) em Goiás e professora do Instituto de Patologia Tropical e
Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.
Cristiana está
diretamente envolvida nas pesquisas por uma vacina contra o coronavírus. Ela é
única representante da América do Sul a integrar o Grupo de Trabalho de Vacinas
para covid-19 do Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e
Vacinação (SAGE), da Organização Mundial da Saúde. A especialista terá o papel
de revisar, junto com os outros 14 componentes do grupo de trabalho, as
evidências disponíveis sobre o progresso das vacinas candidatas contra a doença
e definir estratégias e planos sobre o uso acelerado de vacinas (pré e pós-licenciamento).
Rosana Richtmann
concorda que as perspectivas apontam para campanhas de vacinação apenas no ano
que vem. “Sou otimista e acredito que tenhamos uma vacina eficaz até o final do
ano. Ter produção suficiente para a vacinação para a população deve acontecer
no primeiro semestre de 2021”.
Testes no Brasil
A vacina que integra a
parceria com o Instituto Butantã é a segunda que será testada no País. A outra
integra a parceria da Universidade de Oxford (Reino Unido) com a Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo). Serão mil voluntários em São Paulo e
outros mil no Rio de Janeiro, os dois estados que concentram a maioria dos
casos brasileiros.
Rosana Richtmann
explica que o Brasil foi escolhido porque a epidemia ainda está em ascensão por
aqui, diferentemente do que ocorre no Reino Unido ou na China, por exemplo.
“Infelizmente, o Brasil é o melhor lugar para testes de pesquisas atualmente.
Na China, os resultados demorariam muito mais”, diz.
O Brasil integra o
programa ACT Accelerator, iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) que
visa tornar mais rápidos o desenvolvimento, a produção e o acesso a
diagnósticos, medicamentos, tratamentos, testes e vacinas contra a covid-19.
ESTADÃO CONTEÚDO
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